sábado, 22 de junho de 2019

NOTA DE REPÚDIO

NOTA DE REPÚDIO

As organizações da sociedade civil santarena abaixo assinadas vêm a público repudiar a decisão do Prefeito de Santarém, Nélio Aguiar, de conceder a medalha Padre João Felipe Bettendorf ao juiz federal Airton Portela, dentro das comemorações do aniversário de Santarém, no dia 22 de junho. A medalha tem como objetivo homenagear profissionais que contribuíram para o desenvolvimento da cidade e da sua gente, não sendo o caso deste homenageado.

Fundada há 358 anos, a cidade de Santarém foi edificada sobre território indígena. Com a chegada dos portugueses, os primeiros donos da terra foram submetidos a um processo de violência colonial que provocou o extermínio físico de milhares de seres humanos. Os que sobreviveram foram explorados e forçados a se adaptar ao modo de vida do colonizador: tiveram de abandonar suas línguas, adaptar seus costumes e esconder suas manifestações religiosas.

Essa política etnocida fez com que o poder público declarasse, no século XIX, a extinção dos povos indígenas em Santarém, os quais teriam se convertido em “caboclos”, integrados à sociedade hegemônica. Assim, tiveram negado o direito às suas terras como povos indígenas, e a sua cultura própria foi invisibilizada.

A imposição do silêncio, porém, não durou para sempre. No final do século XX, mais conscientes dos seus direitos, muitas comunidades passaram a declarar publicamente a ancestralidade indígena: “O sangue e o sonho dos antepassados permanecem em nós!”. Em 2019, já são 65  comunidades indígenas no Município de Santarém, lutando por demarcação de terras, saúde e educação escolar indígena. É por essa história de resistência que consideramos inaceitável que o juiz Airton Portela seja agraciado com a principal honraria do Município.

Quando esteve responsável pela Justiça Federal em Santarém, esse magistrado publicou uma Sentença com conteúdo racista e discriminatório contra os povos indígenas da região. Contrariando o princípio do autorreconhecimento étnico, afirmou que os Borari e Arapium da Terra Indígena (TI) Maró não são índios, mas caboclos.

Ao tentar anular a demarcação da TI Maró com esse fundamento racista, Airton Portela cometeu uma violência que atingiu não apenas os Borari e Arapium, mas todos os povos indígenas de Santarém e do Baixo Tapajós. Tentou calar a voz dos indígenas que a séculos resistem às violências do processo colonial.

A sentença de Airton Portela sobre a TI Maró consistiu num atentado contra os direitos territoriais indígenas, dos quilombolas e demais populações tradicionais, que se baseiam no autorreconhecimento étnico. Negar esses direitos é permitir que os latifundiários do agronegócio avancem sobre as terras da nossa gente, trocando as ricas florestas de Santarém por campos de soja. Quem atropela os direitos dos legítimos donos desta terra não é digno de honrarias.

Por tudo isso, afirmamos a nossa indignação e o nosso repúdio não só com esta homenagem. Mas também repudiamos o descaso, por parte da Prefeitura de Santarém, para com as políticas públicas que deveriam trazer dignidade aos povos do campo, das águas e das florestas, aos povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais do nosso município.

"Nossos antepassados viveram nesta terra. E nós viveremos nesta terra por muito mais tempo do que as sentenças de extermínio de nossos povos. Nenhum direito a menos!”

                                      Santarém (PA), 21 de junho de 2019

Clínica de Direitos Humanos da UFOPA
Coletivo de Estudantes de Direito Indígenas e Quilombolas - CEDIQ
Coletivo de Juventude JUNTOS!
Coletivo dos Estudantes Quilombolas - CEQ
Coletivo Kitanda Preta
Coletivo Negro Alessandra Caripuna
Comissão Justiça e Paz (CJP) da Diocese de Santarém
Conselho Indígena do Planalto
Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns - CITA
Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós
Conselho Intercomunitario Indígena Arapiun-Borari (COIIAB), da Terra Indígena Maró
Cursinho Quilombola
Departamento de Mulheres Indígenas do CITA
Diretório Central dos Estudantes da UFOPA
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém - FAMCOS
Federacão de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE
Grupo Consciência Indígena - GCI
Grupo de Defesa da Amazônia - GDA
Lideranças da Terra Indígena Maró
Movimento Tapajós Vivo – MTV
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – NAJUP
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém - STTR
Terra de Direitos
União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém – UES
Vigilantes indígenas da Terra Indígena Maró

terça-feira, 4 de junho de 2019

ASSEMBLEIA INDÍGENA DO POVO TUPINAMBÁ




*Por Lidia Sarmento, com colaboração de Lucas Marinho e Prof. Dr. Frei Florêncio Vaz

Nos dias 29 e 30 de maio de 2019, foi realizada na aldeia Jatequara, margem esquerda do rio Tapajós, a Assembleia Indígena Tupinambá, que reuniu os indígenas de 19 aldeias do território Tupinambá do Baixo Tapajós. Localizada na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, o território indígena Tupinambá é considerado o de maior território na região e conta com as respectivas aldeias: 

Jacaré
Jaca
Paraná pixuna
Jatequara
Jauarituba
Santo Amaro
Mirixituba
Muratuba
Paricatuba
São Pedro
São Francisco
São Caetano
Enseada do Amorim
Cabeceira do Amorim
Boa Sorte
Pajurá
LimãoTuba
Brinco de Moça 
Apresentação das lideranças indígenas presentes na assembleia
A necessidade de chamamento para que todos participassem e se posicionassem devido às atuais conjunturas do governo foi um dos marcos centrais da assembleia, que discutiu pautas como a autodemarcação do território, saúde e educação indígena, eleição para o CITUPI (Conselho Indígena Tupinambá) e para o Conselho Fiscal, além da aprovação para o desenvolvimento de pesquisas antropológicas a serem desenvolvidas naquele território. Havia grande empolgação com o evento,  principalmente da parte dos moradores de Jatequara (visto que era a primeira vez que recebiam um acontecimento desse porte e porque apenas recentemente aderiram ao movimento indígena), porque reuniria aldeados indígenas e suas lideranças. Prova disso se demonstrava em todo o empenho do Conselho, do cacique Edelson e do pajé Salustiano, que se expressou em Nheengatu com os presentes.
Momento inicial da assembleia
Depois do ritual de abertura, o cacique Braz Antônio Tupinambá, diretor do CITUPI, inicia a apresentação da mesa com a composição feita pelos representantes do CITA (Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns), da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e da SEMED (Secretaria Municipal de Educação). De início, as discussões abertas circularam em torno da educação e da saúde indígenas, visto que as constantes ameaças de corte vigentes pelo governo federal afetam diretamente as populações indígenas, principalmente quando lembramos das primeiras ações do governo federal desde a posse em janeiro de 2019.
Aldeados atentos às decisões do território

Educação escolar indígena
Das reivindicações sobre a educação escolar indígena, unir conhecimentos locais com o conhecimento científico a partir da perspectiva local permeia o principal foco da educação formal nas aldeias. O questionamento do tipo de educação que está sendo dada a crianças indígenas e se ele corresponde às expectativas ainda é preocupante, visto que o município ainda deixa a desejar no atendimento às necessidades, ao repasse de recursos e ao cumprimento de um currículo que abranja os saberes do povo. Além disso, a precariedade do transporte escolar fez com que as aldeias solicitassem a abertura de anexos, visando principalmente a segurança das crianças. 



Diretora da escola indígena Suraitá
Professora Emília, de Nheengatu

A entrada e permanência de alunos indígenas na universidade foi outra pauta, visto que os cortes contingenciais na área educacional ameaçam a previsibilidade dos alunos indígenas de concluírem seus cursos. Dentro disso, a disseminação de uma política discriminatória quanto aos indígenas e das demais minorias vêm se alastrando dentro dos campi, levando à reflexão de quais medidas deverão ser tomadas, assim como a permanência dentro do ensino superior mostra cada vez mais a resistência indígena.
Jovens universitários Tupinambá




Eleição do CITUPI
Em uma acirrada disputa, foi realizada no dia 30 a eleição para o Conselho Indígena Tupinambá, sendo reeleito o cacique Braz Antônio de Moraes, da Aldeia São Francisco, e na vice direção o cacique Océlio, da aldeia Muratuba, assim como o restante do conselho, composto de duas secretárias e dois tesoureiros. Também houve a votação para o Conselho Fiscal, com três membros efetivos e três substitutos.
Momento de indicação dos candidatos à direção do CITUPI

Momento da votação

"Eleição de índio não é igual eleição de branco

Momento de contagem dos votos
Participação da FUNAI, CITA e GCI
A presença do representante da FUNAI foi crucial na assembleia, visto que foram compartilhadas as dificuldades do órgão com a assembleia. Geraldo Dias ressaltou que o desmonte da FUNAI já vem sendo realizado a pelo menos dez anos já com a diminuição do repasse de verbas. Entretanto, as "péssimas escolhas" desde a última eleição, montaram um Executivo e um Legislativo arbitrários e sem considerar a relevância das minorias, na qual despreza a opinião dos povos tradicionais.
O Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA) também esteve conversando com a juventude indígena presente na assembleia. Anderson Castro reforçou a importância do fortalecimento da identidade indígena, tanto dentro quanto fora das as aldeias, e que isso promove a alteridade do povo Tupinambá.
Representando o GCI (Grupo de Consciência Indígena) esteve o Prof. Dr. Frei Florêncio Vaz, que veio com contribuições muito interessantes que acrescentam conhecimento ao movimento Tupinambá, demonstrando o quanto o grupo pode fazer para acrescentar mais esclarecimentos sobre a formação indígena nas aldeias..
Momento da participação da FUNAI na assembleia

Momento vespertino da assembleia

Presença do Prof. Dr. Florêncio Vaz



Protocolo de Consulta Prévia
No último dia de assembleia, fora entregue aos aldeados o Protocolo de Consulta Prévia do Povo Tupinambá, documento que reúne as decisões, anseios, petições e a necessidade do respeito ao povo e seu território. O Protocolo é uma conquista das 19 aldeias, visto que é uma luta que se estende desde a década passada, e precisa resistir às dificuldades internas, políticas e demarcatórias. Mas também é necessário frisar que o movimento de identidade e autoafirmação precisam ser fortalecidos, para que o movimento indígena não imploda, causando o enfraquecimento do movimento.


Material produzido pelas aldeias com seus parceiros, como MPF e Manos Unidas

Expectativa da entrega do Protocolo Prévio

Leitura do texto presente no Protocolo de Consulta Prévia

Entrega do material de Nheengatu aos representantes dos professores de cada aldeia


Momento de consulta e autorização de pesquisa no território Tupinambá

Momento de aprovação e receptividade de Marcílio Serrão como indígena Tupinambá

Entrega de material de Nheengatu aos representantes dos professores das aldeias


A importância da autoafirmação da identidade indígena
Tão importante quanto a autodemarcação do território é o povo Tupinambá assumir inteiramente sua identidade indígena. Mesmo se denotarmos a presença de conflitualidades internas, o ideal é que todas as partes interajam de forma a pensarem em um movimento único, com a resolução de problemas internos para que façam frente às dificuldades do plano mais generalizado, envolvendo as esferas federal e local. Trata-se de explorar o diálogo e identificar os problemas e chegar ao mesmo objetivo de potencializar a luta do movimento indígena.

GALERIA DE FOTOS (Confira mais momentos na nossa página no Facebook)

Pajé da aldeia São Francisco


Pajé Ronaldo Guimarães, da aldeia Paraná Pixuna

Chegada de aldeias a Jatequara para participar da assembleia

"Vai chuvê!"

Cacique Joel, da aldeia São Caetano

Cacique Inácio Rodrigues, da aldeia Jacaré

Ester Oliveira, ex-cacica da aldeia Paraná Pixuna

Ritual de recepção do indígena Marcílio Serrão

Pajé Salustiano fazendo a benzeção em uma jovem com dor nas costas

Pajé Salustiano, da aldeia Jatequara, contando sobre como se descobriu pajé

Despedida de Jatequara

Peixe, farinha e uma boa conversa no retorno à Santarém


Crianças da aldeia Jatequara

Momento vespertino da assembleia

Curumins conectados

Assembleia presente

Momento do grafismo indígena

Ritual de benção para as lideranças eleitas

Amanhecer em Jatequara

Café da manhã na casa do Pajé Salustiano

Assembleia presente




* Lídia Sarmento é voluntária do projeto de extensão A Hora do Xibé. Lucas Marinho é indígena, estudante da Universidade Federal do Oeste do Pará, da aldeia de Santo Amaro, do território Tupinambá. Florêncio Vaz é professor, doutor em Antropologia e coordenador do projeto de Extensão  "A Hora do Xibé".

Imagens: Lídia Sarmento e João Roberto Sarmento